0 O que você pensa acerca da cruz de Cristo? - J. C. Ryle
Talvez você considere esta questão como algo de somenos
importância; não obstante, dela depende intensamente o bem-estar eterno de sua
alma.
Há mil e oitocentos
anos atrás, houve um homem que disse gloriar-se na cruz de Cristo. Foi alguém
que revirou o mundo de cabeça para baixo pelas doutrinas que pregava. De todos
os homens que já viveram neste mundo, foi ele quem mais contribuiu para o
estabelecimento do Cristianismo. E mesmo assim, foi este homem quem disse aos
Gálatas:
“Longe esteja de mim
gloriar-me, senão na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo”, Epístola de Paulo Aos
Gálatas 6.14
Leitor, a “cruz de
Cristo” deve ser um assunto verdadeiramente importante para que um apóstolo
inspirado fale de tal forma sobre ela. Deixe-me tentar demonstrá-lo o
verdadeiro significado desta expressão. Uma vez reconhecendo o que significa a
cruz de Cristo, com a ajuda de Deus você se tornará capaz de perceber a
importância dela para a sua alma.
A palavra cruz, na
Bíblia, algumas vezes faz referência à cruz de madeira na qual o Senhor Jesus
foi cravado e posto para morrer, no Calvário. Isto é precisamente o que São Paulo
tinha em sua mente quando falou aos Filipenses que Cristo “foi obediente até a
morte, e morte de cruz” (Fp 2.8). Contudo, esta não era a cruz na qual São
Paulo se gloriava. Ele esquivar-se-ia com horror da idéia de gloriar-se em um
mero pedaço de madeira. Eu não tenho quaisquer dúvidas de que ele denunciaria a
adoração católica romana do crucifixo como profana, blasfema e idolátrica.
A cruz, em outras
vezes, é atinente às aflições e provações que os crentes atravessam pela causa
da religião que professam, quando seguem a Cristo fielmente. Este é o sentido
no qual nosso Senhor usa a palavra, quando diz: “Aquele que não toma a sua
cruz, e segue-me, não é digno de mim” (Mt 10.38). Este também é o sentido no
qual Paulo usa a palavra quando escreve aos Gálatas. Ele conhecia bem esta
cruz. Deveras, ele a carregava pacientemente; no entanto, também não é sobre
isto que ele está falando aqui.
Mas a palavra cruz
também se refere, em alguns outros lugares da Escritura, à doutrina de que
Cristo morreu pelos pecadores sobre a cruz, - a expiação que Ele fez pelos
pecadores, por Seus sofrimentos em favor deles sobre a cruz – o completo e
perfeito sacrifício pelo pecado que Jesus ofereceu quando deu Seu próprio corpo
para ser crucificado. Em suma, este termo, “a cruz”, aponta para Cristo
crucificado, o único Salvador. Este é o significado no qual Paulo usa a
expressão, quando fala aos coríntios: “A pregação da cruz é loucura para os que
perecem” (1 Co 1.18). E este também é o significado do que ele escreveu aos
Gálatas: “Longe esteja de mim gloriar-me, senão na cruz de nosso Senhor Jesus
Cristo”. Ele está dizendo simplesmente isto: “Eu não me glorio em nada mais,
exceto em Cristo crucificado, como a salvação de minha alma”.
Leitor, Jesus Cristo
crucificado era a alegria e o deleite, o conforto e a paz, a esperança e a
confiança, a fundação e o lugar de descanso, a arca e o refúgio, o alimento e o
remédio da alma de Paulo. Ele não considerava que teria de executar algo por si
mesmo ou padecer por si mesmo. Ele não era mediado por sua própria bondade e
nem por sua própria retidão. Ele amava pensar naquilo que Cristo havia feito, e
naquilo que Cristo havia sofrido - a morte de Cristo, a justiça de Cristo, a
expiação de Cristo, o sangue de Cristo, a obra finalizada de Cristo. Nisto,
sim, ele se gloriava. Este era o sol de sua alma.
Este era o assunto que
sobre o qual ele amava pregar. O apóstolo Paulo foi um homem que percorreu a
terra proclamando aos pecadores que o Filho de Deus havia derramado o sangue de
Seu próprio coração para salvar-lhes. Ele caminhou por todos os lugares neste
mundo falando às pessoas que Jesus Cristo as amava, a ponto de morrer pelos
seus pecados sobre a cruz. Observe como ele diz aos coríntios: “Eu vos
entreguei o que primeiro recebi: que Cristo morreu pelos nossos pecados” (1 Co
15.3); “eu me determinei a não saber de qualquer coisa entre vós, a não ser
Jesus Cristo, e este crucificado” (1 Co 2.2). Ele – um blasfemo, fariseu
perseguidor – havia sido lavado no sangue de Cristo; de tal modo a não poder deixar
de sustentar sua paz sobre este sangue. Por isso ele nunca se cansava de falar
da história da cruz.
Este foi o tema sobre o
qual ele amava alongar-se quando escrevia aos crentes. É maravilhoso observar
como suas epístolas geralmente são repletas dos sofrimentos e da morte de
Cristo - como elas discorrem sobre "pensamentos que inspiram e palavras
que ardem" sobre o amor e o poder das agonias de Cristo. Seu coração
parece cheio deste assunto: ele discorre sobre isto constantemente e retoma o
tema continuamente. É o fio de ouro que perpassa todo seu ensino doutrinário, e
todas as exortações práticas. Ele parece pensar que mesmo para o cristão mais
maduro nunca é demais ouvir sobre a cruz.
Foi sobre isto que ele
viveu toda sua vida, desde o tempo de sua conversão. Ele diz aos gálatas: “A
vida que agora eu vivo na carne, vivo-a pela fé no Filho de Deus, o qual me
amou, e a si mesmo se deu por mim” (Gl 2.20). O que o faz tão forte para o
labor? O que o faz tão disposto para a obra? O que o faz tão incansável em
esforçar-se para salvar alguns? O que o faz tão perseverante e paciente? Eu vou
dizê-lo, qual o segredo disto tudo. Ele sempre se alimentava pela fé do corpo
de Cristo e do sangue de Cristo. Jesus Cristo foi a comida e a bebida de sua
alma.
E leitor, você pode
estar convicto de que Paulo estava correto. Confiar nela, isto é, na cruz de
Cristo, - a morte de Cristo sobre a cruz para fazer a expiação pelos pecadores
– é a verdade central ao longo de toda a Bíblia. Esta é a verdade que
encontramos logo ao abrirmos no livro do Gênesis. A semente da mulher que
esmagaria a cabeça da serpente - isto não é outra coisa senão uma profecia de
Cristo crucificado. Deveras, esta é a verdade que brilha, por trás do véu, em
toda a lei de Moisés e na história dos judeus. Os sacrifícios diários, o
cordeiro pascal, o contínuo derramamento de sangue no tabernáculo e no templo -
tudo isto são sombras do Cristo crucificado. E esta é a verdade que também
vemos ser honrada na visão do céu, antes do fechamento do livro das Revelações:
“Então, vi, no meio do trono e dos quatro seres viventes e entre os anciãos, de
pé, um Cordeiro como tendo sido morto”(Ap 5.6). De fato, mesmo em meio à glória
celestial nós encontramos uma visão de Cristo crucificado. Tire a cruz de
Cristo, e a Bíblia será um livro obscuro. Ela seria como os hieróglifos
egípcios, sem a chave que interpreta o seu significado – curiosa e maravilhosa,
mas sem qualquer serventia real.
Leitor, observe bem o
que eu lhe digo. Você pode conhecer uma boa porção da Bíblia. Pode conhecer os
contornos das histórias nela contidas, e até a data dos eventos que a Bíblia
descreve, assim como alguém pode conhecer a história da Inglaterra. Você pode
conhecer os nomes dos homens e mulheres nela mencionados, assim como um homem
conhece César, Alexandre o Grande, ou Napoleão. Você pode conhecer vários
preceitos da Bíblia, e os admirar, assim como um homem admira Platão,
Aristóteles, ou Sêneca. Mas se você ainda não descobriu que Cristo crucificado
é o fundamento de cada livro, você tem lido a Bíblia até agora de modo muito
pouco proveitoso. Sua religião é um céu sem um sol, um arco sem um fecho, um
compasso sem uma agulha, um relógio sem molas ou valores, um candeeiro sem
óleo. Ela não o confortará. Ela não livrará a sua alma do inferno.
Leitor, observe mais
uma vez o que eu lhe digo. Você pode conhecer bastante acerca de Cristo, tendo
alguma espécie de conhecimento intelectual. Você pode conhecer bem quem Ele
foi, e onde Ele nasceu, e o que Ele fez. Você pode conhecer Seus milagres, Suas
falas, Suas profecias, e Suas ordenanças. Você pode saber como Ele viveu, como
Ele sofreu, e como Ele morreu. Contudo, pode-se conhecer o poder da cruz de
Cristo experimentando-o; deveras - a menos que você saiba e reconheça que
aquele sangue derramado sobre a cruz lavou seus próprios pecados particulares,
e a menos que você esteja disposto a confessar que sua salvação depende
inteiramente da obra que Cristo realizou sobre a cruz -, se não for esse o seu
caso, Cristo não lhe será em nada proveitoso. Sim, o mero conhecimento do nome
de Cristo jamais o salvará. Você deve conhecer a Sua cruz e o Seu sangue, ou
então acabará morrendo em seus próprios pecados.
Leitor, enquanto você
viver, tome cuidado com uma religião na qual não se ouve muito da cruz. Você
vive em tempos nos quais a cautela, lamentavelmente, é necessária. Cuidado, eu
repito, com uma religião sem a cruz.
Há centenas de lugares
de adoração nestes dias, nos quais se encontram quase todas as coisas, exceto a
cruz. Há carvalhos gravados, e pedras esculpidas; há vidros coloridos, e
pinturas esplêndidas; há serviços solenes, e uma constante série de ordenanças;
mas a cruz real de Cristo não há. Jesus crucificado não é proclamado no
púlpito. O Cordeiro de Deus não é exaltado, e a salvação mediante a fé n’Ele
não é livremente proclamada. E, por conseguinte, todos estes lugares estão em
erro. Leitor, acautele-se de tais lugares de adoração. Eles não são
apostólicos. Eles não haveriam de satisfazer a São Paulo.
Há milhares de livros
religiosos publicados hodiernamente, nos quais se acham quase todas as coisas,
exceto a cruz. Eles são plenos de direcionamentos sobre os sacramentos, e
louvores da Igreja; eles abundam em exortações para uma vida santa, e em regras
para a consecução da perfeição; eles apresentam fartura de fontes e cruzes,
tanto interna quanto externamente; mas a cruz real de Cristo é deixada de fora.
O Salvador e Seu amor agonizante tampouco são mencionados, ou o são de um modo
anti-escriturístico. E, por conseguinte, todos estes livros são piores do que
imprestáveis. Eles são não apostólicos. Eles jamais satisfariam a São Paulo.
Leitor, São Paulo não
se gloriava em nada mais, a não ser na cruz. Esforce-se para também ser assim.
Coloque Jesus crucificado sempre diante dos olhos de sua alma. Não ouça
qualquer ensino que interponha algo entre você e Ele. Não caia no antigo erro
dos gálatas. Não pense que alguém nestes dias seja melhor guia do que os
apóstolos. Não se envergonhe das antigas veredas, nas quais percorreram homens
que foram inspirados pelo Espírito Santo. Não deixe que a conversa vazia de
homens que proferem grandes palavras dilatadas sobre a catolicidade, e a
igreja, e o ministério, perturbem a sua paz, e o façam despreender-se da cruz.
As igrejas, os ministros e os sacramentos são todos importantes a seu próprio
modo, mas eles não são Cristo crucificado. Não dê a glória de Cristo a nenhum
outro. “Aquele que se gloria, glorie-se no Senhor”.
Leitor, pus tais
pensamentos diante de sua mente. O que você pensa agora sobre a cruz de Cristo?
Eu não posso dizer; mas não posso desejar a você algo melhor do que isto – que
você possa ser capaz de dizer com o apóstolo Paulo, antes de você morrer ou
apresentar-se ao Senhor, “Longe esteja de mim gloriar-me, senão na cruz de
nosso Senhor Jesus Cristo”. Amém.
0 comentários:
Postar um comentário